sexta-feira, dezembro 28, 2001
Da redação do Terra:
Se depender de adoradores, vinil pode voltar
Diz-se muito dos benefícios do progresso e das maravilhas da tecnologia, mas nem todos acreditam nisso. Os que adoram o velho e bom toca-discos, por exemplo, fazem parte desse grupo e vêm ganhando adeptos em sua idolatria. O LP, execrado e vilipendiado na década de 80 após o surgimento do CD, voltou à ativa e vem tendo seu charme recuperado. Em parte por moda, em parte por uma questão de economia.
Grupos se reúnem em casa ou em bares para ouvir discos em surradas vitrolas, sites se dedicam, com sucesso, à venda e execução do gênero e a mística da bolacha retorna em grande estilo. Músicos discutem se a qualidade analógica é melhor que a digital e alguns até apostam na volta do vinil como solução para o fim da pirataria.
Os donos do pub Gates, em Brasília, já descobriram o apelo do vinil. Toda quarta-feira, os sócios Rubens Carvalho e Sérgio Resende, ambos quarentões, recebem uma média de 200 pessoas, de 25 a 45 anos, para se divertir ao som de LPs. E muita gente fica do lado de fora. Carvalho é o DJ que comanda as carrapetas. "Comecei as sessões em abril. É um projeto para pessoas especiais. A casa tem 23 anos e eu e o Sérgio estamos aqui há 13. Esta noite trouxe um público que freqüentava o Gates no início", explica.
Sem toca-discos
Os freqüentadores do bar ouvem jazz, bossa nova, blues e rock e, toda semana, são brindados com a presença de um convidado ilustre que também tenha a mesma paixão. Já levaram seus disquinhos para lá o vocalista e guitarrista do Plebe Rude, Philippe Seabra, o cineasta Sérgio Moriconi e o baterista do Capital Inicial Fê Lemos. Ele, aliás, já promove sessões de vinil entre amigos há mais de dois anos.
No início, era em uma Garrard herdada do pai. A pobrezinha deu problemas e agora está no estaleiro esperando um perito em restauração. Agora, Fê, 39 anos, está sem toca-discos, mas pretende resolver isso logo, comprando um Technics, o predileto dos DJs, para ouvir sua coleção de três mil LPs. "Eu comecei a comprar com 13 anos de idade. Trilogy, do Emerson, Lake and Palmer, foi meu primeiro disco. Eu gostava de rock progressivo na época e me lembro quando ganhei de aniversário o Tommy, do The Who, que custou Cr$ 120,00. Eu continuei comprando vinil até acabar, mas nunca me desfiz de nenhum. Lembro até dos que eu emprestei e não voltaram", lamenta.
O produtor cultural Tadeu Nora, 34 anos, que cuida da programação de muitas casas do Rio de Janeiro, como Teatro da Lagoa e Studio 54, é outro que cultua a mística do lado A e do lado B. Tadeu promove feijoadas culturais, nas quais escuta junto com amigos, como o DJ e pesquisador Zé Otávio, coisas do arco da velha. Entre uma cerveja e um caldinho de feijão rola Sabiá Lá na Gaiola e Qui Nem Giló (sic) na voz da Rainha do Baião, Carmélia Alves.
Estoque de agulhas
A cavaquinista Manoela Marinho, 32 anos, e o marido, o saxofonista Humberto Araújo, 42, também não se desfazem dos discos nem do hábito de reunir amigos para ouvi-los. "Combinamos com o pessoal e cada um leva o vinil que gostaria de ouvir. Algumas raridades são ouvidas aqui", conta Manoela, que é dona da idéia de reunir conhecidos em torno da vitrola, mas não é a dona do objeto de desejo. É de Humberto a distinção. "Eu tenho uma Technics e, quando surgiu o CD, eu comprei 20 agulhas e estoquei. De lá pra cá, só troquei duas", comenta, orgulhoso.
Em matéria de LP, tamanho é documento, aliás é quase uma virtude. A maioria dos adeptos exalta o tamanho da capa como uma das maiores vantagens sobre o CD, mas sobre a qualidade do som, há divergências. "A capa é pra mim o ponto que mais diferencia. Sobre o som, eu nunca consegui achar que o CD é melhor ou pior, eu acho que essa diferença é inerente aos próprios métodos: um é digital outro é analógico. 'Ah! o som dos Beatles era melhor em vinil que em CD!' Eu nunca achei isso. Comprei os discos deles em CD e sempre o prazer foi o mesmo", acha Fê Lemos.
Para o produtor musical Pena Schmidt, entretanto, isso não é verdade. "Eu acho que tem diferença de som do vinil para o CD. Ele não tem profundidade, é áspero. Tem uma frase ótima no longa-metragem de Anna Muylaert Durval Discos, sobre uma pessoa que tem uma loja de discos de vinil em São Paulo e que não acredita no CD: "O som pode até ser igual, mas a música, não."
"O digital comprime o som"
O dono da loja de discos do Rio Modern Sound, Pedro Otávio Tibau, 29 anos, concorda com o personagem, mas com ressalvas. "Acho que o jazz soa melhor em LP que em CD. Mas isso é relativo, você precisa ter uma boa cápsula, uma boa agulha. Agora, se tiver um CD especial com uma prensagem de 180 gramas... O som digital é um som que comprime a parte harmônica da onda sonora. Para quem ouve jazz e música clássica a diferença é enorme. O som no CD é mais asséptico e no toca-discos é mais colorido", opina com poesia e a bagagem cultural de quem viveu a vida numa loja de discos. Seu pai, aliás, até hoje só escuta vinil e Pedro mantém a tradição reunindo amigos em volta de uma Garrard, com cápsula Schure, herdada do pai audiófilo. "De vez em quando faço, mas isso é desculpa para tomar uísque", disfarça.
Sobre a dúvida na qualidade do som, o engenheiro de som Carlos Andrade, o popular Carlão, apresenta conceitos e explicações como estudioso e como proprietário de gravadora, a Visom. "O processo de popularização do CD chegou a tal nível que certos padrões de qualidade se perderam. O vinil não trabalha com a quantização. Quando você digitaliza, faz uma caricatura do original, não uma cópia fiel. Na verdade são texturas diferentes. É comparar o vídeo e a película, mas com a tecnologia HDTV, vídeo e filme são quase iguais", explica.
"Eu não me recuso à modernidade, mas eu adoro LPs", confessa o produtor e empresário Luiz Otávio Costa. Ele lembra que não está sozinho nessa adoração. Empresário da cantora Claudette Soares, Luiz Otávio e a própria cantora se surpreenderam com a informação de uma fã, que havia encontrado um LP da cantora de 1969, no qual Claudette canta músicas de Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso, à venda no site americano www.dustygroove.com por US$ 99. Era o mais caro de todos.
Vinil e nostalgia
O cantor Ed Motta, outro adorador de vinil, também embarcou nessa onda. Seu site comemorou um ano com sessão especial dedicada ao maestro Moacir Santos. O escritor Marcio Paschoal exalta, entre as muitas virtudes da bolacha, o colocar o disco na vitrola como a melhor. "Tem um charme. Cada dia me pego mais no meu canto ouvindo vinil e lembrando de coisas da minha vida que têm a ver com aqueles discos", conta. Fê Lemos concorda. "Tem o prazer de levar a agulha até a faixa e as engrenagens da pick up. Essa idéia do mecanismo se perdeu. Com o MP3, não tem mais nada rodando. Tem a coisa do suporte, lado A, lado B qual era a música que abria o lado A, que fechava o lado B. Acho que quem jogou fora seus discos se arrependeu", relembra. Manoela Marinho vai ainda mais longe: "Tem uma carga sentimental do objeto manuseado, ele envelhece com você."
Carlão, da Visom, sabe bem disso. No momento, ele coordena o projeto Cantares Brasileiros, de recuperação do acervo do colecionador Humberto Franceschi. São 13 mil músicas gravadas entre 1902 e 1950, em 78 RPM (e aí estamos falando de cera de carnaúba), que estão sendo transpostas para CD e estarão á disposição do público, para pesquisa, no Instituto Moreira Salles, no Rio.
As gravadoras têm amargado prejuízo sobre prejuízo desde a chegada do CD, algumas tendo reduzido seu faturamento, inclusive, em mais de R$ 100 milhões, e, para driblar esse processo, correm atrás de alternativas. Entre uma delas, quem sabe, até uma possível volta do vinil. A gravadora paulista Trama já tem sua seção de vinil, mas ela ainda é restrita aos DJs.
Pena Schmidt tem uma extensa teoria sobre o assunto. "Vou juntando meus pauzinhos que vêm na enxurrada de indícios. O DJ é hoje um herói mais próximo do adolescente. Um dia já foi o pianista, outro dia o guitarrista, hoje é o DJ. Eles elegeram um modelo de toca-discos que serve para o uso mais radical do vinil, o scratch, o Technics MK 2. Se você procurar outro toca-discos na praça, hoje não acha, mas se sair em busca de um Technics já acha rápido. Esse toca-discos tinha uma produção mundial de 4 mil unidades/ano e hoje está indo para 60 mil/ano. 99% desse equipamento é para profissionais, mas já começou a ser comprado pelo adolescente que quer ser DJ. O vinil não foi destruído, todo mundo tem a coleção do pai, do avô, os sebos de discos proliferam. No Japão e na Europa, o vinil é lançamento regular das gravadoras, em tiragens mínimas para colecionador. São duas vertentes sustentando esse mercado: o DJ e o audiófilo. Isso tudo começa a se movimentar e estender. Pirataria não se mencionava até o multiplicável CD. Imagino, no ano que vem, que uma loja vai inaugurar sua seção de vinil. Eu conheço meia centena de músicos que quer gravar vinil. O Ed Motta, Barão Vermelho, Marisa Monte, por exemplo, pessoas que se preocupam em caprichar em seu produto", especula.
Mística
Considerando que na década de 80 Pena foi o produtor dos Titãs e do Ultraje a Rigor, na década de 90 relançou Jorge Benjor e atualmente é diretor técnico do Free Jazz, é melhor apostar nessa volta.
Carlão, da Visom, já apostou: "Comprei um corte de vinil. Seria superinteressante para a indústria fonográfica que o vinil voltasse", imagina. Vaticínios à parte, provavelmente a mística do vinil é explicada pelo seu fator humano. Como nós, ele também arranha, às vezes vacila, pula e necessita ser bem tratado.
Lenke Pavetits/Invest News
Gazeta Mercantil
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Viviane at 3:14:00 PM
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