segunda-feira, março 25, 2002
Do Uol:
'Câmera é uma arma', diz diretor de 'Terra de Ninguém'
Bruno Garcez
A trama parece absurda. Durante a Guerra da Bósnia, dois soldados, um sérvio, o outro bósnio, ficam presos numa trincheira entre as forças dos Exércitos dos dois países. Entre os dois, há um soldado ferido, mas que não pode ser removido por estar em cima de uma mina terrestre.
O cineasta bósnio Danis Tanovic, que dirigiu e escreveu Terra de Ninguém, que venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro, diz, em entrevista exclusiva à BBC Brasil, que o conflito na Bósnia teve diversas situações absurdas. Por isso, ele conta que optou por retratar a guerra com humor negro.
"O humor dá distanciamento e foi a maneira pela qual nós conseguimos sobreviver a essa tragédia. É por isso que fiz Terra de Ninguém desta maneira. Quando realizei o filme, pensei: 'Por que não usar algumas das coisas que eu vi?'", conta o diretor.
Danis Tanovic viu e viveu situações surreais dignas de seu filme. Quando a guerra começou, ele era um estudante de cinema em Sarajevo e interrompeu os estudos para se juntar ao Exército bósnio, mas não como um soldado convencional. Tanovic documentou com uma câmera as cenas do conflito.
"Arma poderosa"
"A câmera é uma arma muito poderosa. As guerras modernas estão sendo documentadas por câmeras e mesmo jornalistas estão sendo usados como armas nesses conflitos, quer eles queiram ou não admitir isso, porque a TV é uma parte importante da vida moderna", diz Tanóvic.
Durante a guerra, o diretor diz ter vivido situações que hoje não parecem reais. Ele andava com uma granada e conta que estava disposto a explodir a si mesmo se fosse capturado pelos sérvios.
"Hoje em dia isso parece surreal, mas durante a guerra era normal. Tínhamos muito medo de ser capturados. Ouvíamos muitas histórias sobre outros cameramen que foram capturados. Havia atrocidades, campos de concentração. Por isso, eu estava disposto a usar a minha granada."
Tínhamos muito medo de ser capturados. Ouvíamos muitas histórias sobre outros cameramen que foram capturados. Havia atrocidades, campos de concentração. Por isso, eu estava disposto a usar a minha granada.
Danis Tanovic
Tanovic conta que no início da Guerra eram tantas as situações absurdas que ele achou que jamais seria possível retratar o conflito por meio da ficção.
"Foi por isso que eu me apaixonei por documentários e comecei a realizá-los, porque nos documentários basta estar lá. Muitas coisas aconteceram na Bósnia, se você colocar todas elas em um filme de ficção, ninguém acreditaria, de tão surreais que são", conta o diretor.
O cineasta diz que por muito tempo se perguntou como retratar em um filme o que ele tinha a dizer sobre a guerra. Ele já fazia documentários há dez anos, e havia começado a fazer documentários devido à guerra, "mas queria voltar ao meu primeiro amor, que eram os filmes de ficção".
"Decidi criar uma história pequena, que acontece entre dois seres humanos, simples assim, na frente de batalha. Depois surgiram outros personagens, uma jornalista e um soldado da ONU", conta Tanovic.
O cineasta conta que a forma crítica como mostra tanto o representante da ONU como a jornalista é uma crítica sutil à maneira como a mídia e a comunidade internacional lidaram com o conflito na Bósnia, que ele entende como omissa.
"Neutralidade não existe. É uma palavra que foi inventada só para não se fazer nada. Se uma mulher é estuprada na sua frente e você não faz nada, isso não é ser neutro, é tomar uma posição. No momento em que decidiram pôr fim à guerra, eles o fizeram em duas semanas. Eu me pergunto por que tivemos de esperar quatro anos por isso?"
O diretor diz que tem dúvidas quanto às motivações da Otan para intervir no conflito. "Não sei se eles o fizeram porque se importavam conosco ou porque a imagem deles já estava muito desgastada".
Tanovic saúda, no entanto, o fato de o ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, estar sendo julgado na Holanda, pelo Tribunal Internacional Criminal para a Antiga Iugoslávia.
"O tribunal em Haia é uma coisa boa, mas eu me pergunto como Milosevic poderá pagar por seus crimes, por tudo que fez? Ele sabe que será condenado e que deve pegar prisão perpétua, mas não parece se importar."
Tanovic ainda não sabe ao certo qual será seu próximo projeto, diz apenas que será um filme de ficção e que não terá a guerra como tema.
O filme é maravilhoso e o Oscar foi merecido. Assistam.
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Viviane at 7:10:00 PM
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