quarta-feira, outubro 23, 2002
Resenha da Livraria Cultura:
Aos livros, com carinho
Os livros escreveram a história da nossa vida e, à medida que se acumularam nas estantes (e nos parapeitos das janelas e debaixo do sofá, e em cima da geladeira), tornaram-se capítulos dela. Como poderia ser diferente?
Assim tem início a história de amor contada em Ex-libris - Confissões de uma leitora comum, pela autora e protagonista Anne Fadiman. Não a história de seu amor pelo marido, George Colt, também escritor, mas do amor que ambos compartilham pelos livros. Aliás, o primeiro relato é de como os dois resolveram unir as respectivas bibliotecas e das discussões e ponderações para chegar a um acordo sobre a melhor maneira de recolocar os preciosos volumes nas estantes. Foi a partir daí que se sentiram realmente casados.
"Ex-libris" (expressão latina que significa 'livros de') é dedicado aos pais de Anne, responsáveis diretos pela paixão cultivada pela autora desde a infância. As paredes da casa onde moravam eram forradas por cerca de sete mil livros. Ela lembra que, quando pequena, já gostava de caçar palavras desconhecidas nas leituras e que um dos divertimentos prediletos de sua família "bibliólatra" era promover competições intelectuais, com testes de vocabulário e de citações literárias. E revela que todos os Fadiman são portadores de uma síndrome incurável: a da revisão compulsiva, detectando erros não só em textos de livros e jornais, como em manuais, cardápios, notas de encomenda... A jornalista confessa que, em sua "insolente juventude", relacionou quinze erros de impressão na obra "A pessoa em questão", de Nabokov, e enviou ao escritor. Recebeu depois uma carta de agradecimento pela atenção, assinada pela esposa do autor.
Um dos aspectos interessantes abordados em "Ex-libris" é quanto às diferentes formas de amar os livros. A autora conta que certa vez, num hotel em Copenhague, seu irmão Kim deixou um livro aberto e virado para baixo sobre a mesa de cabeceira. Quando retornou, ele encontrou o volume fechado, um papel inserido para marcar a página e um bilhete da camareira dinamarquesa: Senhor, nunca faça isso a um livro. Kim ficou estarrecido. Ele, um leitor inveterado, ser rotulado como alguém que maltratava os livros? Anne chegou a uma conclusão sobre o fato: a camareira acreditava no amor cortês, era adepta da adoração platônica, da busca impossível de conservar o exemplar intacto. A família Fadiman acreditava no amor carnal. A rispidez no uso não era um sinal de desrespeito, mas de intimidade.
Em tom sempre divertido, de conversa informal, Anne fala das práticas que estimulam o prazer da leitura, como a de ler livros nos lugares que eles descrevem e a de ler em voz alta, compartilhando com outro a emoção das descobertas. Fala também da importância das dedicatórias, que, a seu ver, podem engrandecer ou empobrecer uma edição, de como as bibliotecas refletem a personalidade de seus donos, das estantes excêntricas que todo bibliófilo possui - a sua reúne 64 obras sobre explorações polares -, do gosto por escrever com canetas-tinteiro de estimação e de muitas outras doces manias, contagiando os leitores com seu amor declarado à palavra escrita.
Finalmente, a autora indica uma relação de "livros sobre livros" para aqueles que, como ela, consideram a literatura parte integrante de suas vidas. Algumas obras de interesse publicadas em português: A construção do livro, de Emanuel Araújo; Uma história da leitura, de Alberto Manguel; Uma vida entre livros, de José Mindlin; A fascinante história do livro, de José Teixeira de Oliveira.
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Viviane at 12:56:00 AM
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