terça-feira, março 04, 2003
"As Horas" explora o mundo de Virginia Woolf
Por Todd McCarthy
SÃO PAULO (Reuters) - Inteligência e habilidade estratégica consideráveis foram usadas para produzir esta adaptação muito bem montada do romance "The Hours", que valeu o prêmio Pulitzer ao autor Michael Cunningham. "The Hours" foi o título original de "Mrs. Dalloway", e é esse grande romance que Virginia Woolf escreveu em 1925 que serve de ponto de referência e fonte de inspiração para esta história interligada de três mulheres que têm vínculos estreitos com o livro.
A primeira delas é a própria Virginia Woolf (Nicole Kidman), cujo suicídio, em 1941, é a cena inicial do filme e que, em seguida, é vista lutando contra seus demônios internos enquanto escrevia "Mrs. Dalloway", 18 anos antes.
A segunda é uma leitora dedicada de Woolf, Laura Brown (Julianne Moore), dona-de-casa frustrada que vive num subúrbio de Los Angeles em 1951 e flerta com a idéia de morrer do mesmo modo que a escritora.
A terceira é uma editora literária nova-iorquina de hoje, Clarissa Vaughan (Meryl Streep), cujo primeiro nome é igual ao de Mrs. Dalloway e que é obrigada a encarar a morte iminente de um amigo escritor.
Na página escrita, as interseções entre as três narrativas são apreendidas pelo leitor de maneira sutil; na tela, tornam-se consideravelmente mais enfáticas.
Outra coisa mais pronunciada no filme é o clima geral sombrio, em parte porque as manifestações de sofrimento e suicídio são mais perturbadoras quando representadas fisicamente, mas também porque muitos dos toques literários acertados do livro não encontraram equivalentes no filme.
Entre outras coisas, o filme é sobre mulheres cujo fracasso nos papéis mais importantes de suas vidas -- como esposa, mãe ou amiga -- as impele a sofrer crises emocionais tão profundas que elas precisam pesar até que ponto vale a pena continuar a viver.
Das três histórias, a que dá mais certo é a da própria Virginia Woolf, o que é surpreendente, na medida em que não é fácil mostrar uma escritora séria na tela e que os dilemas e sofrimentos dela são os mais difíceis de retratar e os com que o público menos de identifica.
Mas a cena inaugural do suicídio gera fascínio imediato, e Nicole Kidman, enfeiada (mas, paradoxalmente, ainda carismática) com o acréscimo de uma prótese nasal e figurino sem graça, sustenta o interesse, pintando um retrato introspectivo e pessimista, mas revelador, de uma narcisista emocional cheia de problemas e obsessões.
Operando sob o princípio de "retratar a vida inteira de uma mulher em um único dia", mas multiplicado por três, o filme propriamente dito começa com três cafés da manhã. Vemos Virginia Woolf recusando-se a comer, apesar das exortações de seu marido, Leonard; Laura Brown (Julianne Moore) tentando convencer seu filhinho, Richie, a fazer o mesmo, e Clarissa Vaughan (Meryl Streep) repreendendo seu antigo namorado Richard Brown (Ed Harris), hoje aidético, sobre seus hábitos alimentares e dizendo que fará uma festa para ele naquela noite para comemorar o prêmio literário que ele ganhou.
"As Horas" é especialmente notável em seus momentos calmos. Entre suas imagens mais memoráveis figuram as de Virginia Woolf em sua sala de trabalho, fumando enquanto escreve "Mrs. Dalloway" com caneta tinteiro, cercada por inúmeras páginas espalhadas pelo chão. Outra é a que mostra Laura fugindo para um hotel apenas para ficar sozinha para ler "Mrs. Dalloway" e refletir sobre sua vida.
O trabalho do diretor Stephen Daldry com atores é de especialista. Kidman, especialmente, brilha, dando sinais de profundidade e maturidade novas no retrato que faz de uma personagem potencialmente difícil.
O papel representado por Julianne Moore representa uma variação interessante sobre a dona-de-casa dos anos 1950 angustiada que fez em "Distante do Céu", e Meryl Streep não tem dificuldade alguma em expressar as prioridades e as decepções de uma mulher urbana aparentemente autoconfiante e que, entre as três, é a que mais se parece com a personagem Mrs. Dalloway.
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Viviane at 8:15:00 PM
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