terça-feira, abril 20, 2004
Do Diário de Pernambuco, a bela coluna "Letras às Terças", da edição de hoje, sobre a minha adorada Katie.
K.M.
Luzilá Gonçalves Ferreira
Ela se chamava Katherine Beauchamp, mas assinou muitos de seus escritos e cartas com um simples KM. De Katherine Mansfield, nome literário que adotou. Era uma moça magrinha, o cabelo negro e escorrido como os de uma japonesa. Os retratos que nos chegaram dela mostram uma mulher de olhos tristes, de uma suavidade comovente. Filha de ingleses, nascera na Nova Zelândia, tocava violoncelo e sonhava em estudar na Inglaterra e se tornar escritora..
O sonho se realizou. Katherine completou sua educação no Queen's College, em Londres. Em 1909 - tinha 21 anos - um conto seu é aceito pelo editor da The New Age, revista na qual ela colaboraria durante três anos. Começou a freqüentar as rodas literárias de Londres, casou-se com o jornalista e crítico literário John Midleton Murry, com quem editaria uma revista, The Blue Review. O melhor retrato de Katherine talvez seja o que dela fez Midleton Murry, na apresentação do comovente diário que ela nos deixou:
"Katherine Mansfield era natural e espontânea como nenhum outro ser humano dos muitos que tenho conhecido. Parecia adaptar-se à vida como uma flor se adapta à terra e ao sol. Tinha grandes dores e grandes alegrias (...) Era de uma grande generosidade, de uma grande coragem. Quando se dava à vida, ao amor, a qualquer idéia verdadeira que servia, dava-se magnificamente. Adorava a vida em toda a sua beleza e toda a sua dor."
Tendo contraido tuberculose, Katherine fez várias viagens ao sul da Europa para fugir do nevoeiro e da falta de sol da capital inglesa. Esteve na Itália e em Bandol, um pequeno e adorável porto no sul da França. Melancólica e solitária, pois o casal não tinha recursos para que Midleton a acompanhasse. Dessas viagens, dessa solidão, dão conta suas inumeráveis cartas a amigos e ao marido. E o Diário, que ela chamava de "o longo diário de suas queixas." Mas nos momentos em que a doença a deixava trabalhar, Katherine escreveu alguns dos mais belos contos que a literatura mundial já produziu, muitos deles rejeitados pelos editores: Prelúdio, Alguma CoisaInfantil mas Muito Natural; Felicidade.
O assunto desses contos? Quase nada, mas tudo contado de modo simples, sensível, leve. O remorso de um pai por ter castigado o filho pequeno. A preparação de uma festa familiar. O inocente passeio ao campo de dois namorados pobres e tímidos. A tristeza da professora de canto solteira, que vinga nos alunos a decepção recente de um rompimento de noivado, e a mudança de atitude, em meio à aula, no instante em que um súbito telegrama vem desfazer aquele rompimento.
No final da vida - viveu apenas 35 anos - buscou refúgio numa comunidade em Fontainebleau, na França, visando a cura física e um trabalho de purificação espiritual, que acreditava ser necessária para poder continuar sua obra. Uma obra pequena, densa, profunda. Mas sobretudo um admirável testemunho de um ser humano que, em meio às adversidades, interroga sua presença no Mundo, seu desejo de dar voz às pessoas humildes, seu dever de criar beleza e, que, sobretudo, acredita no poder dessa beleza.
A obra de K.M. foi toda traduzida para o Português, as cartas, o Diário e os contos. Em 1997, a Paz e Terra editou cinco contos na pequena coleção em formato de bolso, intitulada Leitura, vendida em bancas de revistas e livrarias a um preço ínfimo. Mais uma consagração para essa mulher que desejava tanto aproximar a literatura das pessoas simples.
Trechos do Diário de Katherine Mansfield
Paris, 23 de janeiro de 1922.
"Não esquecer o ruído do vento - essa angústia especial que se sente quando o vento sopra. O vento da primavera, doce e tépido, que nos aspira o coração. O vento (...) que sacode o jardim, à noitinha, quando saímos a correr... O vento de verão, alegre, que se balança nas árvores. E o vento que passa sobre a erva e a faz estremecer. Isto provoca em mim uma comoção que nunca pude explicar."
1º de maio
"...como todas as coisas passam!- e como o fim parece vir sempre demasiado cedo!..."
9 de agosto
"E se um homem pretender considerar a vida no circuito completo que esta descreve, ver a que ponto está cheia de tudo o que é extraordinário, grande e belo, depressa compreenderá para que fim nascemos."
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Viviane at 12:39:00 PM
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