domingo, maio 29, 2005
Pra quem ainda acha que a minha amada cidade é cinzenta e sem graça...
Preconceito geográfico
Sempre, em viagens, o papo acaba caindo nos velhos clichês, que contam o quanto os brasileiros são alegres e expansivos, enquanto praticamente o resto do mundo não é
Por Rosana Ferrão (AOL)
Londres é uma cidade sombria e os ingleses são fechados. Rio é uma festa e os brasileiros são sempre alegres. Paris é linda, mas os franceses são mal-humorados. Certo? Errado… Não é bem assim… Estou passando uns dias na Inglaterra, de onde escrevo esta coluna. Como é que as pessoas dizem que Londres é uma cidade sombria e, mais que isso, que os ingleses são frios? Pois, apesar da primavera fria, o clima nas ruas de Londres é festivo. Abro os jornais para ver a programação cultural e é uma coisa impressionante: dezenas de shows musicais, dezenas de exposições de arte, festivais, filmes, peças. Além desses programas em lugares fechados, existem as praças e os parques, lotados, e as mesinhas de bares e restaurantes nas calçadas, também lotadas. Sempre foi assim. Pelo menos desde a “swinging London” dos anos 60. A cidade exala vida e… Diversão! Sem falar nas lojas, é claro. Isso é um espetáculo à parte.
Estou num café perto da National Gallery, onde moram, entre outras obras famosas, os girassóis de Van Gogh. Acabei de me emocionar ao mostrar ao meu filho, de sete anos, o quadro que ele já viu nos livros da escola. Fomos ver os famosos pombos de Trafalgar Square e também visitamos Southhall, o bairro indiano mais famoso da cidade, que faz muito bem aos sentidos: os aromas, os gostos, as cores, a música, os tecidos… Na cidade mais cosmopolita da Europa, “tem gente de toda cor, tem raça de toda fé, guitarra de rock n’ roll, batuque de candomblé”. É… Rainhas e príncipes branquelos (ih, usei o termo banido pela nova cartilha politicamente correta) convivem com o preto dos punks (alguns ainda sobrevivem…), o colorido dos pretos, os turbantes, os véus, o céu, que, vá lá, é quase sempre cinza… Mas nada é perfeito.
Como morei aqui durante cinco anos, tenho alguns amigos e estamos hospedados na casa de um casal inglês, que tem dois filhos mais ou menos da idade do meu. Os três brincam como se fossem conhecidos há muito tempo e nem mesmo a barreira da língua os separa. Eles riem, lutam de espada e trocam palavras como velhos amigos, animados à beça. Falo isso porque sempre, em viagens, o papo acaba caindo nos velhos clichês, que contam o quanto os brasileiros são alegres e expansivos, enquanto praticamente o resto do mundo não é. O brasileiro animado é o que está no carnaval, sambando na TV, o que está nas praias e bares ou na revista Caras. Se você fizer uma incursão pelo interior do país ou entrar num ônibus ou trem lotado em qualquer cidade grande com brasileiros a caminho do trabalho, verá que a animação é igual à dos ingleses no metrô ou nos ônibus quando também estão indo ou voltando do trabalho, ou dos franceses nas mesmas condições. Não, pensando bem… Acho que exagerei. Vamos deixar os franceses fora dessa história…
Enquanto tomo um café fraco e meu marido bebe uma cerveja Guiness quente, estou pensando, cá com meus botões, como esse vício de generalizar o estado de espírito de um povo é mesmo uma bobagem. Estou vendo, agora, casais de mãos dadas, crianças com seus pais, mulheres sozinhas, gays, estudantes, turistas e dá pra sentir a alegria no ar. O céu pode estar cinza, mas os ingleses sabem aproveitar a vida.
Tem poluição, mas tem parques e mais parques bem cuidados. Tem metrô cheio, mas tem música boa em quase toda estação e o transporte é eficiente. Tem engarrafamento, mas ninguém parece preocupado em fechar os vidros do carro para não ser assaltado. Isso tudo já não é a maior alegria?
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Viviane at 4:33:00 PM
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